1-
Introdução
As disfunções vestibulares ou labirintopatias eram tidas antigamente como
doenças de adultos ou de idosos. No entanto, atualmente muito dos sintomas
destas disfunções estão sendo relatadas em crianças. Segundo ABU-ARAFEH (1995)
num questionário aplicado a 1754 crianças, entre 5 e 15 anos, 314 crianças
apresentaram um episódio de sintomatologia de disfunção vestibular durante o
ano, e 92 crianças apresentaram pelo menos três episódios. SIH e VIEIRA (1998)
afirmam que 13% das crianças apresentam alguma sintomatologia desta desordem,
destacando-se a tontura.
A manutenção do equilíbrio corporal é realizada por uma interação complexa de
sistemas. Participam dessa interação os sistemas vestibular, visual e
proprioceptivo (interoceptivo e exteroceptivo). O desequilíbrio de um ou mais
desses sistemas leva o indivíduo a apresentar um conjunto de sintomas, em que a
tontura geralmente é preponderante. A tontura pode ser do tipo rotatória, queda,
cabeça vazia, deslocamentos, etc. este é o principal sintoma da alteração
vestibular (FREITAS e WECKX, 1998). É por meio dele que o ser humano inicia o
contato com o meio circundante, sendo essencial para a aquisição de
aprendizagem, incluindo linguagem escrita e falada e a coordenação motora (GANANÇA
e CAOVILLA, 1999)
Diversos estudos têm relatado a existência de uma relação entre distúrbios
vestibulares e problemas de aprendizagem. AYRES (1995) afirma que a criança
desenvolve a capacidade de organizar inputs sensoriais. Esta coloca que,
inicialmente, a criança recém nascida experimenta sensações mas não é capaz de
dar significado a elas. Com o tempo há um aumento na habilidade do cérebro em
organizar sensações para produzir complexas respostas adaptativas da criança. Os
inputs vestibular e somatosensoriais têm um papel vital na criação de modelos
precisos do corpo para o controle postural necessário à orientação corporal em
relação à gravidade e ao meio. O processo de feedback sensorial produzido pelo
movimento permite adaptação de ações motoras às mudanças das demandas do meio e
das tarefas e facilita a aprendizagem motora, assim como componentes de
aprendizagem perceptual e cognitiva (MELLO, NUNES e MELO, 2004). A falta de
aptidão para praticar alguns movimentos físicos, bem como sensações distorcidas
do tamanho, peso e da estrutura corporal, da dimensão de objetos distantes ou
das relações espaciais prejudicam em maior ou menor grau de intensidade o
adequado contato da criança com o meio ambiente, influenciando a sua evolução
física e psíquica de forma desfavorável (GANANÇA e CAOVILLA, 1999). Quando
existir uma alteração deste sistema, é constatado geralmente um retardo do
controle da cabeça, da posição sentada, os primeiros passos, acrescido das
aquisições da vida infantil: bicicleta, patins, skates, etc. ( SIH e VIEIRA,
1998).
Conforme GANANÇA e CAOVILLA (1999) a disfunção vestibular costuma afetar
consideravelmente a habilidade de comunicação, o estado psicológico e o
desempenho escolar. É necessário recordar que o mau rendimento escolar pode ser
um indício valioso da possível labirintopatia. Algumas vezes é difícil obter da
criança ou de seus pais uma descrição adequada dos sintomas de desequilíbrio
corporal. A criança tem geralmente dificuldade para exprimir o que sente ou de
lembrar-se dos sintomas e, ainda de compreender a descrição efetuada pelo
médico, fisioterapeuta ou pedagogo.
2- A avaliação da criança com disfunção vestibular
A história pregressa e atual da doença é extraordinariamente importante. Perdas
auditivas, zumbido, hipersensibilidade a sons intensos, sensação de pressão no
ouvido, manifestações neurovegetativas, desequilíbrios à marcha e quedas são
sintomas que geralmente se associam às tonturas e podem ocorrer com múltiplas e
diversificadas características (GRIEVE, 1994; GANANÇA; CAOVILLA, 1998). Os
passos a seguir na avaliação são:
1. História da doença – se há tonturas, náuseas, vômitos, cefaléias, dores
abdominais, mau aproveitamento escolar, atrasos de deambulação, etc. ( SIH e
VIEIRA, 1998).
2. Antecedentes pessoais – condições de nascimento, parto, doenças ou ingestão
de drogas na gravidez, desenvolvimento motor entre outros ( SIH e VIEIRA, 1998).
3. Antecedentes hereditários
4. Testes de Equilíbrio - O equilíbrio estático e dinâmico deve ser investigado.
Os testes de Romberg e Romberg sensibilizado são testes de equilíbrio estático.
Os testes para investigar o equilíbrio dinâmico são Babinsky-Weill, testes de
Fukuda e de Unterberger. Estes testes indicam distúrbio vestibular, e dependendo
da sua característica permitem distinguir um envolvimento periférico de um
central. Os desvios na prova de Unterberger são considerados anormais quando
ocorre rotações superiores a 45º (ALBERNAZ et al, 1997; MENON; SAKANO; WECKX,
2000). Durante a crise labiríntica, na pesquisa de equilíbrio estático, pode
ocorrer lateropulsão com período de latência. Nas síndromes centrais é mais
comum observar-se a retropulsão, combinada ou não com a antero e retropulsão,
sem período de latência (FREITAS; WECKX, 1998). No teste de Romberg onde a visão
é ocluída, o paciente se mantém devido às informações proprioceptivas e
vestibulares. Se o sistema proprioceptivo estiver integro e o vestibular
alterado, poucas oscilações são notadas (BENTO; MINITI; MARONE, 1998).
5. Testes de Coordenação - Os testes de coordenação, index-index, index-nariz,
index-joelho e diadococinesia permitem verificar a presença de um distúrbio
cerebelar. Quando há comprometimento cerebelar há incoordenação do movimento,
tremor intencional, dismetria ou diminuição da capacidade de executar a tarefa (ALBERNAZ
et al, 1997; MENON; SAKANO; WECKX, 2000). O teste dos membros superiores
estendidos, no qual o paciente aponta com os indicadores os indicadores do
examinador e a seguir fecha os olhos, na crise labiríntica há desvio de ambos os
lados para o labirinto afetado. Nas síndromes centrais podem ocorrer desvios
convergente ou divergente dos membros superiores. Em caso de lesão cerebelar não
são verificados desvios, porém há uma queda lenta e gradativa dos braços (ALBERNAZ
et al, 1997).
6. Exame otoneurológico - eletronistagmografia, audiometria, entre outros.
7. Teste de competência de leitura silenciosa realizado pelo pedagogo – É um
instrumento para avaliar a competência da leitura silenciosa. Constitui-se em
oito tentativas de treino e 70 de teste, cada qual com um par composto de uma
figura e de um item escrito. A tarefa da criança é marcar com um X os pares
figura-escrita incorretos ( CAPOVILLA, A; MIYAMOTO e CAPOVILLA, F, 2003).
Segundo ZUCCO (2003), a avaliação deve constar de uma avaliação funcional,
verificação do grau de independência da marcha, estado em que o paciente se
encontrava no momento da avaliação, avaliação de força muscular, avaliação
postural, avaliação de equilíbrio, de propriocepção, coordenação e perguntas
relacionadas aos sintomas vestibulares.
Em crianças com idade inferior a dois ou três anos, as dificuldades de avaliação
são maiores, mas o envolvimento do sistema vestibular pode ser identificado,
mesmo que não seja possível realizar a avaliação completa. Nesta faixa etária, a
avaliação requer um tempo maior, muita paciência, técnicas especiais e
habilidades (GANANÇA e CAOVILLA, 1999). O ideal seria que avaliação fosse
realizada por uma equipe, contendo médico, fisioterapeuta, pedagogo e
fonoaudiólogo.
3- A intervenção fisioterápica nas crianças com
disfunções vestibulares
A intervenção da fisioterapia em casos de crianças com disfunções vestibulares
que apresentem um mau rendimento escolar é auxiliar o trabalho do pedagogo,
melhorando a comunicação entre o aluno e o professor, facilitando a
aprendizagem. ZUCCO e outros ( 2004) afirmam que o tratamento de alterações
vestibulares restabelecem o equilíbrio físico e psíquico do paciente ,
diminuindo possíveis crises de tonturas, oferecendo uma melhor qualidade de vida
ao paciente.
O tratamento fisioterápico (reabilitação vestibular) consiste em exercícios
físicos usando brinquedos encontrados em playgrounds, como trepa-trepa,
gangorra, balanço e o mais estimulante, o gira-gira ( SIH e VIEIRA, 1998). ZUCCO
( 2003) afirma que a bola suíça pode ser utilizada no tratamento de
labirintopatias, pois segundo CARRIÈRE (1999) a bola suíça pode ser usada para
retreinar algumas das funções perdidas em pessoas que apresentem alterações de
equilíbrio e postura, trabalhando equilíbrio, tônus muscular e coordenação
visual-espacial. A bola é uma ferramenta estimulante, no qual o paciente se
achará motivado, e sabe-se que o resultado é mais rápido e eficaz quando o
paciente se acha estimulado. As cores vivas e a forma da bola suíça se tornam
neste caso um instrumento útil para induzir reação e movimento (ZUCCO, 2003).
BIENSINGER et al (1991) descrevem uma progressão de tratamento funcional para
déficits de equilíbrio periféricos e centrais através de exercícios com bola
suíça. A progressão sugerida é:
-Decúbito dorsal
-Sentado sobre uma superfície estável
-Sentado sobre uma bola suíça (superfície instável)
-Sentado sobre uma bola suíça e colocando os pés sobre uma superfície instável
-Saltitando sobre uma bola suíça
-Ajoelhado sobre uma superfície instável, segurando na bola suíça
-Em pé sobre uma superfície instável.
Os exercícios terapêuticos na reabilitação vestibular permitem a recalibração
cerebral do relacionamento entre as informações visuais, proprioceptivas e
vestibulares. Determinados exercícios com os olhos, cabeça e corpo criam um
conflito sensorial (visual, proprioceptivo e vestibular) que acaba por acelerar
a compensação (GANANÇA et al , 1999). Este termo significa um trabalho não
apenas com o sistema vestibular mas com inúmeras estruturas que fazem parte do
nosso sistema de equilíbrio. É uma opção de tratamento para pacientes portadores
de distúrbios vestibulares que envolvem estimulações visuais, proprioceptivas e
vestibulares (BENTO; MINITI; MARONE, 1998).
Está comprovado quanto mais estimular o sistema vestibular, provocando tonturas
e outros sintomas, mais rápida é a compensação, sendo que o sistema acaba se
acostumando com tal estímulos, e os sintomas clínicos e a deficiência vestibular
melhoram, e conseqüentemente, o rendimento escolar.
4- Conclusão
O trabalho multidisciplinar, com pedagogo e fisioterapeuta, em crianças com mau
rendimento escolar que apresentam disfunção vestibular, não é apenas importante,
mas fundamental para que a criança possa aprender, evitando rótulos que variam
de rebelde a preguiçoso, colocados muitas vezes pelos próprios pais e
professores.
Muitas vezes quando a criança com disfunção vestibular não diagnosticada
apresenta dificuldade de aprendizagem, acaba sendo encaminhada para um psicólogo
ou pedagogo, que pouco poderá fazer por ela, caso a doença não seja
diagnosticada e tratada por um médico e fisioterapeuta. Embora nem todas as
crianças com problemas de aprendizagem apresentem disfunção vestibular, um
enorme percentual delas provavelmente ganhariam este diagnóstico quando
devidamente testadas.
A intervenção fisioterápica através da reabilitação vestibular pode resolver o
quadro clínico, permitindo que a criança aprenda, tenha um melhor relacionamento
com seus colegas, pais e professores, além de uma melhor qualidade de vida.
Através deste artigo, nota-se quantos caminhos a Fisioterapia pode seguir,
abrangendo a nossa atuação.
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