Introdução
“Eu pensei que a humanidade já estava infringida de males
suficientes...e não parabenizo o Senhor pelo novo presente que a
humanidade ganhou”.
Esse pronunciamento dramático foi feito por Guillaume Duchenne,
neurologista francês que primeiro escreveu a doença em 1868. Referia-se
a descrição histórica de uma particular doença neuromuscular progressiva
e destrutiva, afetando principalmente meninos. Por um século a doença
seria conhecida como uma distrofia. Depois da observação de Duchenne,
essa condição seria conhecida e comumente chamada como Distrofia
Muscular de Duchenne.
Outros médicos neurologistas pioneiros escreveram sobre este tipo de
doença como o cirurgião escocês Charles Bell e também por distinguir
nervos sensoriais de motores. Edward Meryon, nascido por volta de 1807,
também escreveu sobre a Distrofia Muscular de Duchenne, analisando
texturas musculares de meninos afetados pela doença após a morte. Ele
observou a destruição das fibras musculares, um fato que na época
Duchenne não notou. Ainda assim, a descrição de Duchenne foi a mais
completa e a mais acurada até hoje.
Duchenne também foi notável por ressaltar a importância de se estudar a
doença em indivíduos vivos.
1- DESCRIÇÃO DA DOENÇA
Distrofia muscular é uma doença de origem genética, cuja característica
principal é o enfraquecimento e posteriormente a atrofia progressiva dos
músculos, prejudicando os movimentos e levando o portador a uma cadeira
de rodas. Ela é uma doença motora e se diferencia das demais porque
qualquer esforço muscular que cause o mínimo de fadiga, contribui para a
deterioração do tecido muscular. Isto porque o defeito genético ocorre
pela ausência ou formação inadequada de proteínas essenciais para o
funcionamento da fisiologia da célula muscular.
Na literatura médica são catalogadas mais de trinta tipos de distrofia.
A Distrofia Muscular de Duchenne é a mais comum das distrofias, com uma
incidência de 1 para cada 3.500 nascimentos masculinos. O tipo Duchenne
afeta essencialmente o sexo masculino. Também é a forma mais severa de
distrofia muscular, até a idade adulta o paciente estará profundamente
debilitado tanto fisicamente devido à fraqueza estabelecida pela
fragilidade óssea, quanto psicologicamente, já que ocorre um aparente
desânimo devido ao próprio estado de saúde.
O homem com esta doença não tem como se reproduzir e esta é a razão
principal de as mulheres não apresentarem a Distrofia Muscular de
Duchenne. A transmissão se faz por traço recessivo ligado ao sexo e a
taxa de mutação é alta. Geralmente, o quadro só é notado quando a
criança começa a andar. As primeiras características são o aumento do
volume das panturrilhas, decorrente do grande esforço que os
gastrocnêmios são submetidos para compensar o déficit dos músculos
ântero laterais das pernas, para auxiliar o equilíbrio na marcha que
estes pacientes apresentam.
2- ASPECTOS GENÉTICOS
O gene defeituoso é o que sofreu uma alteração em sua estrutura, que o
impede de exercer sua função normal na célula, causando doenças que
podem ser transmitidas hereditariamente.
O gene defeituoso pode causar uma mutação. Se o gene “mutado” for
transmitido aos descendentes causará sérias doenças. As mutações são as
causadoras das distrofias musculares.
A HERANÇA RECESSIVA LIGADA AO X
Uma mutação ligada ao X expressa-se fenotipicamente em todos os homens
que a recebem, mas apenas nas mulheres que são homozigóticas para a
mutação. Mulheres heterozigóticas podem expressar o fenótipo
(considerando a Hipótese de Lion).
O gene de um distúrbio ligado ao X às vezes está presente em um pai e em
uma mãe portadora e, então, as filhas podem ser homozigóticas afetadas.
CRITÉRIOS DA HERANÇA RECESSIVA LIGADA AO X
A incidência do fenótipo é muito mais alta em homens do que em mulheres.
O gene responsável pela afecção é transmitido de um homem afetado para
todas as suas filhas. Os filhos do sexo masculino de qualquer uma de
suas filhas tem uma chance de 50% de herdá-lo.
O gene jamais se transmite diretamente do pai para o filho, mas sim de
homem afetado para todas as suas filhas.
As mulheres heterozigóticas geralmente não são afetadas, mas algumas
apresentam afecção com intensidade variável.
Um exemplo de herança recessiva ligada ao X é a Distrofia Muscular de
Duchenne (DMD), que é típica e letal em homens.
A DMD tem uma taxa de mutação calculada maior do que as outras doenças
genéticas. Há vários estudos onde se prevê que 1/3 dos casos é de
mutantes novos e 2/3 dos pacientes são de mães portadoras. A grande
maioria das portadoras não exibe qualquer manifestação clínica. Há
exemplos raríssimos de meninas com DMD. A DMD compreende 15% das
mutações no lócus.
A DMD é uma doença genética causada por um gene defeituoso (que sofreu
uma mutação genética), localizado no braço curto do cromossomo X, em uma
região denominada Xp21. A mulher possui dois cromossomos X, enquanto o
homem possui um cromossomo X e um cromossomo Y. Se uma mulher tiver em
um dos seus cromossomos X a mutação genética que provoca a DMD, o outro
cromossomo X (que não contém a mutação), será capaz de protegê-la dos
efeitos do gene defeituoso. Por isso, os afetados pela DMD são sempre do
sexo masculino e o gene defeituoso pode ser transmitido por mulheres
portadoras assintomáticas.
Em cerca de 2/3 dos casos de DMD, a mutação responsável pela doença já
está presente na mãe do paciente (portadora assintomática), que corre um
risco de 50% de ter outros filhos de sexo masculino afetados. Em 1/3 dos
casos, a mutação ocorre no menino afetado pela DMD, sem ter sido herdado
pela mãe, ou seja, decorrentes de mutações novas. Nestes casos, dizemos
que ocorreu uma mutação nova, e o risco de recorrência para futuros
filhos é desprezível.
As mutações responsáveis pela DMD e pela DMB (Distrofia Muscular do tipo
Becker) ocupam exatamente a mesma região no cromossomo X (a região
Xp21). A partir de 1989. O antigo Laboratório de Genética da USP (atual
Centro de Estudos do Genoma Humano da USP) passou a realizar exames de
DNA para o diagnóstico das Distrofias de Duchenne e Becker.
O gene da DMD/DMB é gigantesco e em aproximadamente 65% dos pacientes
afetados por estas doenças ocorre a perda de um pedaço do gene. É o que
chamamos de deleção de DNA. Nos 35% restantes dos casos, ocorre um
defeito menor, a que chamamos de mutação de ponto.
Em 1986 dois grupos de pesquisadores dos Estados Unidos identificaram e
isolaram o gene da DMD e DMB. Isto significou um grande passo no
conhecimento dessas doenças, tanto no diagnóstico quanto na detecção. A
partir desta descoberta foram introduzidas novas técnicas de Biologia
Molecular, o que possibilitou estudar diretamente o gene responsável
pelas distrofias de Duchenne e Becker.
O gene responsável pela DMD foi clonado em 1987 e identificada a
proteína que ele produz, a distrofina, cuja ausência acarreta as
alterações musculares. A distrofina se localiza na membrana da célula
muscular, e que faz parte de um complexo de várias proteínas que, em
conjunto, participam da regulação da permeabilidade desta membrana. Hoje
sabemos que a distrofina está ausente ou em quantidade muito reduzida
nas células musculares dos pacientes de DMD, e alterada, porém
parcialmente funcional, nos músculos dos afetados pela DMB.
Assim, a triagem de distrofina pode ajudar a distinguir as duas doenças.
Ela também ajuda a distinguir ambas estas doenças de outras formas de
distrofia muscular. Pois apesar de existirem outras, apenas na DMD e na
DMB a distrofina é afetada.
3- DESENVOLVIMENTO DA DOENÇA
Os meninos afetados são normais até 1 ou 2 anos de vida, mas desenvolvem
fraqueza muscular por volta dos 3 e 5 anos, quando começam a Ter
dificuldades para subir escadas, correr, levantar do chão, quedas
freqüentes e aumento característico do volume das panturrilhas.
O comprometimento muscular é simétrico e inicia-se pelos membros
inferiores e quadris, e, mais tarde, atinge os membros superiores.
Ocorre uma acentuação da lordose lombar e uma marcha anserina (andar de
pato). Contraturas e retrações dos tendões levam alguns pacientes a
andar na ponta dos pés.
A pseudo hipertrofia das panturrilhas, o resultado de infiltração do
músculo por gordura e tecido conjuntivo são vistos geralmente desde
cedo. Alterações da coluna e dos tendões são conseqüência das alteraçoes
musculares das pernas. Com o progredir da doença ocorre comprometimento
dos músculos dos membros superiores. Há ainda amiotrofias
predominantemente na cintura pélvica e escapular. Há progressão lenta
com retrações tendíneas e perda da ambulação entre 8 e 12 anos.
A fraqueza excessiva evolui para incapacidade de andar, em geral no
início da adolescência, embora a situação possa mudar graças à avanços
da pesquisa voltada para o tratamento dos meninos afetados.
È improvável que o indivíduo com DMD sobreviva aos 20 anos de idade e a
sobrevida além dos 25 é incomum. A morte se dá por insuficiência
respiratória, broncopneumonia ou, como o miocárdio também é afetado, de
insuficiência cardíaca. O cérebro é outro órgão afetado, em média ocorre
uma redução de QI de cerca de 20 pontos.
4- DIAGNÓSTICO
Atualmente, o diagnóstico da Distrofia Muscular de Duchenne baseia-se no
quadro clínico do paciente, na história familiar e nos seguintes exames
complementares: dosagem dos níveis sangüíneos da enzima
Creatinofosfoquinase (CK), que se encontram sempre muito elevados; exame
de DNA para pesquisa de deleção no gene da distrofina; Biópsia muscular
para o estudo qualitativo da proteína distrofina no músculo do paciente,
especialmente nos casos em que o exame de DNA não identifica a deleção
do gene da Distrofina.
Outra importante aplicação prática dos métodos de estudo de DNA é a
detecção das mulheres portadoras pertencentes às famílias dos afetados.
Atualmente, através destes métodos, é possível saber com certeza, na
maioria dos casos, se uma mulher é portadora do gene da DMD. Para isso,
utilizamos duas estrtégias de estudo:
1- se o paciente afetado apresenta uma deleção de DNA, podemos pesquisar
diretamente a mesma deleção no DNA da mulher em risco na família. Em
caso positivo, ela terá risco de 50% de Ter filhos afetados e, se
desejar, poderá se submeter à um diagnóstico pré-natal em uma futura
gravidez.
2- Nas famílias onde não se identifica uma deleção no DNA do afetado,
procuramos diferenciar o cromossomo X que contém o gene defeituoso do
outro X (normal), através de marcadores polimórficos do cromossomo X.
Este método é indireto e, por ser comparativo, exige coleta de sangue de
várias pessoas da família. Por isso, é um estudo mais demorado e fornece
resultados com uma confiabilidade de cerca de 95%. O Centro de Estudos
do Genoma Humano da USP vem implantando novos métodos de estudo para a
detecção das mutações de ponto no gene da Distrofina (para aqueles 35%
dos casos onde não se detecta deleção de DNA). Um destes métodos, o
Teste da Proteína Truncada (PTT), utiliza o RNA extraído dos linfócitos
do sangue. Este método permite identificar o ponto exato onde ocorreu o
erro (a mutação de ponto) dentro do gigantesco gene da Distrofina. Além
da grande utilidade para o diagnóstico da DMD/DMB, este método também
pode ser utilizado para a detecção de portadores, em casos onde antes
não se identificavam deleções de DNA. Embora existam inúmeras pesquisas
internacionais em andamento, com o objetivo de encontrar a cura da DMD,
ainda não existe um tratamento específico para esta doença e a
fisioterapia exerce um papel fundamental na melhora da qualidade de vida
destes pacientes.
Bibliografia:
Junqueira e Carneiro, Biologia Celular e Molecular – Ed. Guanabara
Koogan 7ª ed.
Thompson & Thompson, Genética Médica – Ed. Guanabara Koogan 5ª ed.
Jorde, Carey, Bamshad, White, Genética Médica – Ed. Guanabara Koogan 2ª
ed.
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