Resumo
A luxação do ombro foi uma das primeiras patologias a receber atenção na
literatura médica. Quando ocorre no jovem, a luxação traumática possui alto
risco de recidiva, tornando-se crônica na maioria das vezes. Portanto, trata-se
de uma patologia que provoca a incapacidade do paciente e que merece seu devido
tratamento, seja ele cirúrgico ou fisioterapêutico. O objetivo de ambos é
proporcionar ao paciente uma melhor estabilidade articular e força muscular
adequada para desenvolver suas atividade de vida diária e seus esportes de
lazer.
Introdução
A articulação glenoumeral é causa de inúmeros traumatismos. Isso porque é uma
articulação que apresenta enorme mobilidade, permitindo aos movimentos por ela
realizados irem até sua amplitude máxima. Uma patologia muito comum, que acomete
principalmente indivíduos jovens, é a luxação do ombro. As formas para o seu
tratamento vão depender dos sinais e sintomas deste paciente, podendo ser com
correção cirúrgica ou com tratamento fisioterapêutico.
Anatomia da Articulação do Ombro
O complexo da articulação do ombro compõe-se das articulações glenoumeral,
acromioclavicular, esternoclavicular e escapulotorácica: estas articulações
formam uma cadeia cinética funcional em todas as suas atividades. De todas as
articulações do corpo humano o ombro é a que possui maior mobilidade. Todavia,
também é a articulação mais sujeita às luxações, entre todas as articulações do
corpo. Além disso, a articulação do ombro é sede freqüente de lesões tanto micro
como macrotraumáticas; por conseguinte, pode ocorrer neste complexo articular os
mais variados traumatismos, desde as fraturas e luxações às lesões dos
ligamentos e às falhas do manguito dos rotadores. (GONÇALVES, 1993).
Segundo Gonçalves (1993), a articulação acromioclavicular é formada pela
extremidade distal da clavícula e pela margem interna do acrômio, sendo que
essas duas superfícies articulares não produzem uma articulação congruente; por
isso, a articulação AC é sede freqüente de lesões traumáticas. A articulação
esternoclavicular é uma das articulações mais estáveis de todo sistema
musculoesquelético, em virtude de sua estrutura ligamentar, que se apresenta com
o ligamento costoclavicular, o ligamento interclavicular e o ligamento
esternoclavicular.
A articulação escapulotorácica não é uma verdadeira articulação, mas um sistema
de deslizamento da superfície interna da escápula com o gradil costal. Ela
apresenta movimentos de elevação, depressão, abdução, adução, rotação medial e
lateral. (LECH, 2005).
A articulação glenoumeral confere enorme mobilidade, sendo assim muito instável.
As superfícies articulares são formadas pela volumosa cabeça do úmero que se
articula com a fossa glenóide da escápula, a qual é relativamente pequena e
rasa. Por isso, a articulação glenoumeral depende em grande parte das estruturas
capsoligamentosas e do sistema neuromuscular para a sua estabilidade funcional,
de modo a correr risco de lesão traumática. (GONÇALVES, 1993). Essa estabilidade
é dada particularmente pelo ligamento glenoumeral inferior e pelo manguito
rotador, que é formado pela confluência dos tendões dos músculos rotadores
(supra-espinhal, infra-espinhal, redondo menor e subescapular). O manguito
rotador “abraça” a cabeça do úmero e, além de reforçar a cápsula a ele aderente,
mantém, dinamicamente, a cabeça do úmero junto à cavidade glenóide. (LECH,
2005).
Os músculos rotadores são também depressores da cabeça do úmero e
desaceleradores do membro superior e, juntamente com a subjacente cabeça longa
do bíceps, importante estabilizadora anterior, evitam a excursão exagerada da
cabeça do úmero durante a ação dos potentes músculos motores primários do ombro
(deltóide, peitoral maior, redondo maior e grande dorsal). Dessa forma, os
músculos do manguito rotador e a cabeça longa do bíceps são bastante solicitados
nas atividades de vida diária e nos esportes. (LECH, 2005).
Instabilidade Glenoumeral
Pacientes com instabilidade glenoumeral são incapazes de manter a cabeça do
úmero centrada na fossa glenóide. A instabilidade da articulação glenoumeral é
uma afecção extremamente freqüente e é a mais sujeita à luxação.
Os ombros instáveis podem ser divididos em duas categorias: TUBS e
AMBRI-considerando se uma lesão foi ou não a causa da instabilidade. TUBS
significa traumático, unidirecional, Bankart (para lesão de Bankart) e
tratamento cirúrgico. AMBRI refere-se a atraumático, multidirecional, bilateral,
reabilitação e inferior (significando reparo capsular inferior) (GONÇALVES,
1993; SNIDER, 2000)
Luxação
Para Gonçalves (1993), a luxação do ombro consiste na separação completa das
superfícies articulares, sem possibilidade de reposição espontânea. Na
subluxação do ombro também há separação das superfícies articulares, mas a
reposição é espontânea, portanto a subluxação é passageira. A subluxação pode ou
não acompanhar-se de dor, receio ou incapacidade física. A força necessária para
a luxação do ombro depende dos traumas anteriores, de frouxidão dos ligamentos
do paciente e das forças envolvidas no traumatismo.
Segundo Lech (1995), a luxação pode ser traumática, causada por força violenta,
não-traumática (instabilidade), onde ocorrem episódios de subluxações, sem
qualquer fator traumático determinante, ou recidivante, que ocorre nos casos de
uma luxação traumática inicial e se caracteriza por novas luxações determinadas
por traumatismos de menor intensidade.
A freqüência da instabilidade nos presta informações sobre a natureza da mesma.
A instabilidade aguda manifesta-se geralmente por um episódio recente de
subluxação ou de luxação. Em seguida a esse episódio agudo, a maioria dos
pacientes costuma apresentar acentuado espasmo muscular, defesa muscular aos
movimentos do braço e braço mantido rente ao lado do tronco, como se estivesse
imobilizado. (GONÇALVES, 1993).
O termo instabilidade recidivante é usado para descrever a instabilidade que se
manifesta em várias ocasiões, podendo consistir em episódios repetidos de
luxação ou subluxação da articulação glenoumeral, ou de ambas. A subluxação
sutil que se instala nesses indivíduos deixa a cápsula do ombro dolorosa e
inflamada, em virtude do deslocamento constante da cabeça do úmero. (GONÇALVES,
1993). A grande maioria dos luxadores primários se tornará recidivante, pois o
processo de cicatrização do lábio glenoidal dificilmente ocorrerá. (LECH, 2005).
De acordo com Gonçalves (1993), pode instalar-se a lesão de Hill-Sachs nos
pacientes que apresentam instabilidade anterior recidivante. Trata-se de uma
fratura por impactação que se localiza na face posterior externa da cabeça do
úmero, ocorrendo no momento em que a cabeça do úmero, ao entrar em subluxação, é
comprimida de encontro à parte anterior do bordo glenoidal.
A subluxação do ombro acontece mais freqüentemente no sexo feminino do que no
masculino. Para instabilidades traumáticas, as mulheres apresentam menos que os
homens e para as não-traumáticas acontece o contrário. (HERBERT, 2003).
Classificação
As luxações podem ser classificadas de acordo com o sentido em que ocorrem:
1) Luxação escápulo-umeral anterior: ocorre por trauma direto e violento em
direção póstero-anterior sobre o ombro, ou por mecanismo de queda ao solo,
acompanhado de movimento rotacional. Existe a perda da relação anatômica entre a
glenóide e a cabeça do úmero, que se alojará anteriormente, determinado à
ruptura do labrum (lesão de Bankart) e dos ligamentos gleno-umerais, que compõem
a cápsula articular. (LECH, 1995). Trata-se de uma causa freqüente da
instabilidade recidivante. (GONÇALVES, 1993). Essa lesão geralmente é causada
por graus variados de forças de abdução, extensão e rotação externa sobre o
braço. (LECH, 2005).
2) Luxação escápulo-umeral posterior: pode advir de contração muscular violenta,
por choque elétrico ou ataque convulsivo. (LECH, 2005). Pode ocorrer também
durante um trauma direto de direção antero-posterior. A cabeça do úmero se
alojará na parte posterior da glenóide, havendo ruptura da cápsula articular
posterior. (LECH, 1995).
3) Luxação escapulo-umeral inferior: é o resultado de uma força de hiperadução
que alavanca o úmero proximal contra o acrômio e para fora da glenóide
inferiormente. (LECH, 2005).
4) Luxação escapulo-umeral superior: para ocorrer este tipo de luxação, é
necessário que ocorra também a fratura do acrômio e uma provável lesão do
manguito rotador. È extremamente rara. (LECH, 1995).
A forma mais freqüente de instabilidade é a anterior. (GONÇALVES, 1993). A
queixa mais comum em pacientes com esse tipo de instabilidade é que o ombro
desloca quando o braço está numa posição de abdução e rotação externa. A
patologia subjacente nos casos de TUBS é a laceração do lábio glenoidal,
permitindo que a cabeça do úmero deslize anteriormente. (SNIDER, 2000).
Pode instalar-se a lesão de Hill-Sachs nos pacientes que apresentam
instabilidade anterior recidivante. Trata-se de uma fratura por impactação que
se localiza na face posterior externa da cabeça do úmero, ocorrendo no momento
em que a cabeça do úmero, ao entrar em subluxação, é comprimida de encontro à
parte anterior do bordo glenoidal. (GONÇALVES, 1993).
Fisiopatologia
Para Lech (2005), a maioria das luxações agudas glenoumerais no primeiro
episódio é resultado de uma lesão importante, tal como poderia ocorrer por um
trauma atlético ou uma queda, sendo que 95% das luxações são classificadas como
traumáticas.
A luxação recidivante do ombro é a continuidade do processo iniciado pela
luxação primária, geralmente de etiologia traumática.
Exame Físico
Tal como a história, o exame físico do ombro com suspeita de instabilidade
recorrente é um desafio. Em geral, começa-se procurando evidências de frouxidão
ligamentar generalizada como: instabilidade do ombro contralateral,
hiperextensão dos joelhos, cotovelos e articulações metacarpofalangeanas,
flexibilidade do polegar e pés planos. A força do deltóide anterior, médio e
posterior é verificada posteriormente, juntamente com os testes especiais a
seguir descritos. (LECH, 2005).
Testes para Instabilidade
1) Teste do Sulco: traciona-se o braço do paciente para baixo e verifica-se a
presença de um sulco inferior ao acrômio. (Figura 1).
Figura 1: teste do sulco
Fonte: Lech (2005)
2) Teste da Apreensão: o braço do paciente é mantido a 90° de abdução e rotação
externa. A mão esquerda do examinador traciona para trás pelo punho do paciente
enquanto sua mão direita estabiliza o dorso do ombro. O paciente com
instabilidade torna-se apreensivo. (Figura 2)
Figura 2: teste da apreensão
Fonte: Lech (2005)
3) Teste de Fukuda: O paciente fica com as costas voltadas para o examinador,
que realiza uma adução, flexão e rotação interna passiva do braço. Com a mão que
se posiciona no cotovelo do paciente, o examinador realiza uma força posterior,
procurando posteriormente a cabeça do úmero. (Figura 3)
Figura 3: teste de fukuda
Fonte: Lech (2005)
4) Teste da gaveta Anterior e Posterior: o paciente fica em pé com o ombro
relaxado, o examinador posiciona-se atrás dele. Uma das mãos do examinador
estabiliza a cintura escapular enquanto a outra mão fixa o úmero proximal.
Inicialmente da posição central, o úmero é primeiramente empurrado para frente
para determinar a quantidade de deslocamento anterior em relação à escápula. O
teste é então repetido com uma força abrangente substancial aplicada antes que a
translação umeral seja tentada, para se avaliar a competência do lábio anterior
da glenóide. O úmero é recolocado em posição neutra, e o teste da gaveta
posterior é realizado, com carga compressiva à quantidade de translação e a
eficácia do lábio posterior da glenóide. (Figura 4).
Figura 4: testes da gaveta anterior e posterior
Fonte: Lech (2005)
Tratamento Conservador x Tratamento Cirúrgico
Desde os tempos de Hipócrates até os dias atuais, muito se tem feito, buscando o
tratamento ideal para a luxação recidivante do ombro. (JÚNIOR et al, 2005).
Talvez o maior desafio seja estar seguro de qual condição está sendo tratada.
O tratamento conservador da luxação recente do ombro consiste em imobilização do
braço em adução e rotação interna, por um período de 4 a 6 semanas. O objetivo
da imobilização em seguida à luxação é favorecer a cicatrização da cápsula
articular. (GONÇALVES, 1993).
O mesmo autor refere que o tipo do programa de reabilitação e a sua duração
dependem de vários fatores, tais como: a gravidade da lesão, estágio da doença,
tipo de instabilidade, estado dos estabilizadores dinâmicos e grau de atividade
que o paciente pretende reassumir. O programa compreende quatro fases:
Durante a primeira fase, os objetivos serão o restabelecimento integral da
mobilidade, a prevenção de atrofias musculares, a redução da dor/inflamação e a
cicatrização da cápsula articular.
Durante a segunda fase, a maior ênfase do programa é dedicada aos exercícios de
estabilização dinâmica, com o objetivo de aumentar a estabilidade da articulação
glenoumeral.
A terceira fase tem a finalidade de melhorar o controle neuromuscular sobre a
articulação do ombro, especialmente na posição que causa apreensão (exercícios
de rotação externa e interna).
A fase final do programa de reabilitação é o retorno à fase de atividade laboral
ou esportiva. Esta fase destina-se a fazer o paciente ou atleta voltar ao
trabalho ou à prática do esporte, livre de sintomas ou restrições.
Existe concordância geral sobre a indicação cirúrgica nas luxações recidivantes.
Sob o ponto de vista da patologia, o objetivo da cirurgia é corrigir a
desinserção do labrum do rebordo da glenóide (HERBERT, 2003).
A cirurgia de Bankart descrita em 1923 é a técnica cirúrgica mais empregada para
a correção da luxação recidivante do ombro. (LECH, 1995). A implantação das
âncoras na glenóide proporciona melhor fixação do labrum e cápsula em menor
tempo cirúrgico. O paciente permanece hospitalizado por apenas um dia e usa
tipóia por 2 a 3 semanas. Nesse período, ele realiza exercícios isométricos para
evitar hipotrofia muscular (HERBERT, 2003).
A reabilitação nesse procedimento de reconstrução tem dois objetivos:
1) Fortalecer os estabilizadores dinâmicos da glenoumeral e escapulotorácicos;
2) Restaurar a flexibilidade estrutural.
Para Maxey (2003), o programa de reabilitação consiste em exercícios de
amplitude de movimento ativo e exercícios resistidos, visando amplitude de
movimento, força e resistência, trabalhando todas as articulações.
Herbert (2003) diz que em torno de 20 dias a imobilização é descontinuada, e os
exercícios para a obtenção de amplitude de movimento se iniciam. Não se espera
nenhum tipo de restrição de rotação externa ou elevação com essa técnica. O
paciente pode voltar ao trabalho em cerca de 30 a 40 dias e aos esportes em
torno de 60 a 90 dias, exceto para aqueles esportes que exijam esforços extremos
do ombro.
Conclusão
A luxação do ombro é um problema articular, que envolve a integridade física e
psicológico do indivíduo que é portador dessa patologia, uma vez que o indivíduo
passa a ter limitações funcionais, principalmente os movimentos de abdução e
rotação externa que potencializam a recidiva de luxações.
O tratamento fisioterapêutico dessa patologia, tanto conservadoramente quanto no
pós-operatório, terá a finalidade de restabelecer os movimentos fisiológicos do
paciente, melhorar a estabilização dinâmica e a funcionalidade do ombro. É
importante saber a origem do trauma e a sua gravidade, para orientar o
tratamento e desenvolver as melhores técnicas para tal.
Para isso, é necessário que se desenvolvam mais trabalhos que verifiquem os
protocolos de reabilitação já existentes, afim de aprimorar o tratamento do
paciente com luxação recidivante do ombro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
• GONÇALVES, J.; GOULD, J. Fisioterapia em Ortopedia e Medicina do Esporte.
Editora Manole: SP, 1993.
• HERBERT, S.; XAVIER, R. Ortopedia e Traumatologia. Editora Artmed: Porto
Alegre – RS, 2003.
• JÚNIOR, J.; LEITE, J.; MELO, F.; JÚNIO J. A.; CAVALCANTE, A. Eficácia da
Fixação Direta do Labrum na Glenóide em Lesão de Bankart Provocada em
Laboratório e submetida a Estresse. Site da Web: http//:www.scielo.br. Acessado
em 13/10/2005.
• LECH, Osvandré. Membro Superior – Abordagem Fisioterapêutica das Patologias
Ortopédicas mais Comuns. 1ª edição. Editora Revinter: RJ, 2005.
• _______________. Fundamentos em Cirurgia do Ombro. 1ª edição. Editora Harbra
ltda: SP, 1995.
• MAXEY, Lisa. Reabilitação pós-cirúrgica: para o paciente ortopédico. Editora
Guanabara Koogan, RJ: 2003.
• SNIDER, Robert K. Tratamento das Doenças do Sistema Musculoesquelético. 1ª
edição. Editora Manole: SP, 2000.
|