RESUMO
A toxina botulínica é uma proteína de origem biológica, comercializada e
conhecida pelo nome de BOTOX®,
a qual tem mudado a vida de pacientes com distúrbios neurológicos e é
agora considerada uma grande aliada no tratamento de reabilitação,
embora seus benefícios já tenham sido comprovados há anos no campo da
estética. Ela vem sendo utilizada com muito sucesso no tratamento de
pacientes com paralisia cerebral, traumatismo craniano, acidente
vascular cerebral, lesões medulares e outras patologias do sistema
nervoso central, com o objetivo de amenizar o quadro de espasticidade
(aumento do tônus) característico destas patologias e que constitui
atualmente um dos maiores obstáculos para a reabilitação neurológica.
Portanto, com a utilização da toxina botulínica tipo A, a
espasticidade é controlada e o tratamento se torna mais eficaz, gerando
resultados mais amplos os quais tornam os pacientes mais independentes e
socialmente ativos.
Palavras chaves: Toxina botulínica, BOTOX®, espasticidade, distúrbios
neurológicos.
INTRODUÇÃO
A toxina botulínica do tipo A (BOTOX®) foi estudada inicialmente por ser
a causadora do chamado botulismo, isto é, envenenamento através da
bactéria gram negativa e anaeróbica Clostridium botulinium, onde a
neurotoxina atinge a junção mioneural, gerando um quadro clínico
caracterizado por: diplopia, disfagia, miastenia e insuficiência
respiratória, portanto, podendo ser fatal (Blakiston, 1982). No entanto,
isso acontece somente quando o indivíduo entra em contato com uma alta
dose da toxina.
Ao longo dos anos, estudos demonstraram dados que comprovaram que a
toxina botulínica tipo A podia ter uma ação terapêutica, quando aplicada em pequenas doses.
O primeiro uso desta sustância de forma terapêutica foi feito nos anos
60 por Allan B. Scott, em testes em macacos. E somente em 1980, os
testes começaram a ser feitos em humanos, para o tratamento de
estrabismo. Os resultados foram publicados no ano seguinte (Baiocato et
al, 1999).
Porém, foi somente em 1989 que ela foi registrada e seu uso foi aprovado
a oftalmologistas, para o tratamento de espasmos involuntários da
musculatura das pálpebras, estrabismo e distonias. Os médicos
perceberam, então, que a toxina botulínica tipo A também tinha efeito sobre as linhas de
expressão do rosto, diminuindo ou amenizando as marcas na face e
evitando cirurgias plásticas. Os resultados obtidos foram bastante
satisfatórios e bem difundidos, de forma que a utilização da toxina
botulínica tipo A
atingiu alta receptividade tanto pelos profissionais, quanto pelos
clientes, o que fez dele uma das técnicas mais procuradas da atualidade,
por aqueles que buscam uma aparência mais jovem (Allergan, 2003).
E, mais atualmente, por volta de 1990, o estudo continuou em expansão e
se voltou para outras áreas, como a neurologia.
Uma vez conhecidas as propriedades da toxina, desenvolveram-se estudos
sobre o efeito dela sobre a espasticidade, que é uma situação clínica
comum após lesão encefálica ou da medula espinhal, a qual caracteriza-se
pelo aumento do tônus muscular, aumento dos reflexos miotáticos, por
movimento muscular flexor exagerado e espasmos musculares decorrentes de
um estiramento muscular ou não (Greve et al, 2001). Foi através dos
estudos de Snow et al. (1990), que utilizou a toxina botulínica tipo A para tratar a
espasticidade de pacientes com Esclerose Múltipla e Kronan el al. (1992)
que utilizou em crianças com paralisia cerebral, que se concluiu que com
a toxina, podia-se inibir o mecanismo causador da espasticidade, além de
obter uma paralisia reversível no músculo, que permitirá ao
fisioterapeuta vencer essa barreira e atingir resultados mais
satisfatórios no processo de reabilitação dos pacientes com quadro
neurológico espástico ((Baiocato et al, 1999 e Stokes, 2000).
Um ponto que ainda pode ser considerado uma desvantagem da utilização da
toxina é o alto custo. Cada dose ainda tem um custo elevado, de forma
que nem todas as classe sociais têm acesso a essa forma de tratamento.
1. TOXINA BOTULÍNICA:
Conhecida comercialmente e popularmente como BOTOX®, a toxina botulínica
do tipo A é uma substância líquida, estéril e liofilizada, produzida
pela bactéria chamada Clostridium botulinium (Blakiston, 1982).
A neurotoxina é produzida pela bactéria em sete tipos diferentes, os
quais são designados pelas letras A, B, C, D, E, F e G. Sendo que a
toxina A é considerada a mais potente (Baiocato et al, 1999).
Uma vez no organismo humano, esta toxina vai apresentar basicamente duas
ações distintas, porém, que complementam. Ela vai ligar-se aos
receptores terminais encontrados nos nervos motores, gerando um bloqueio
na condução neuromuscular e; entra nos terminais nervosos onde inibe a
liberação da acetilcolina. Dessa forma, quando injetada por via
intramuscular, em doses terapêuticas, ela produz uma paralisia muscular
localizada por denervação química temporária. A denervação química
produz uma atrofia do músculo mas, posteriormente, o músculo acaba
desenvolvendo novos receptores extrajuncionais para a acetilcolina e a
debilidade que se instalara acaba se revertendo (Allergan, 2003).
Vale ressaltar que a ação da neurotoxina não atinge o Sistema Nervoso
Central (SNC), ou seja, não há bloqueio da liberação da acetilcolina ou
qualquer outro transmissor no SNC, visto que ela, em situações normais,
não ultrapassa a barreira hemato-encefálica (Baiocato et al, 1999).
2. ESPASTICIDADE:
A espasticidade é uma condição clínica que pode ser definida como uma
resistência ao estiramento passivo de um músculo ou de um grupo muscular
(hipertonia). Ela é dependente da velocidade e se apresenta por reflexos
tendinosos exacerbados. Atinge predominantemente os chamados músculos
antigravitacionais (flexores de membros superiores e extensores de
membros inferiores), provando uma postura característica, de fácil
identificação e pode ser agravada por fatores externos. Sua importância
clínica descreve, geralmente, lesões nos neurônios superiores, as quais
são comuns em acidentes vasculares, traumatismos cranianos, traumatismos
raquimedulares e inflamações da medula, como a esclerose múltipla
(Stokes, 2000).
Levando-se em consideração que um músculo espástico é um músculo
hiperativo, é fácil perceber que isso provoca grande dificuldade de
mobilização, por prejudicar os padrões de movimentos normais (Sgrott,
2004) e, consequentemente, prejudica o trabalho realizado pelo
fisioterapeuta, seja a mobilização passiva, ativa, ou ativa-assistida.
De forma que isso traz uma série de limitações ao processo de
reabilitação e na qualidade de vida do paciente (GREVE et al, 2001).
Portanto, há anos vem sendo estudados métodos de diminuir ou amenizar a
espasticidade, principalmente as mais severas. Dessa forma, tomou-se
conhecimento dos benefícios do uso da toxina botulínica, cujo objetivo
inicial era prevenir uma série de possíveis deformidades e proporcionar
um relaxamento da musculatura, capaz de oferecer novas opções e
situações clínicas, as quais oferecem ganhos importantes, antes
impossíveis, proporcionado uma reabilitação mais abrangente (Sgrott,
2004).
3. MECANISMO DE AÇÃO DO BOTOX® NA ESPASTICIDADE:
Em uma unidade neuromuscular normal, um impulso nervoso dá início à
liberação de acetilcolina, que faz com que o músculo se contraia. A
contração muscular hiperativa (espasticidade), independentemente da
causa subjacente, é caracterizada pela liberação excessiva de
acetilcolina no entroncamento neuromuscular (Guyton, 1988). O uso da
toxina botulínica tipo A pode ser eficaz na redução desta atividade excessiva, pois ao ser
aplicada por injeção intramuscular no ventre do músculo, verificou-se
rápida difusão para junção neuromuscular, interferindo na liberação da
acetilcolina causando assim paralisia (Allergan, 2003).
A neurotoxina age seletivamente no final do nervo periférico colinérgico,
inibindo a liberação de acetilcolina. Embora a toxina seja potente na
junção neuromuscular, esta habilidade de inibir a transmissão
colinérgica não é limitada ao final do nervo motor. A toxina também é
capaz de inibir a liberação de transmissores pré e pós-ganglionares do
final do nervo colinérgico do sistema nervoso autônomo (Allergan, 2003).
A toxina botulínica tipo A provoca uma desnervação química reversível gerando uma
degeneração axonal distal e uma ação prolongada, porém, transitória
sobre o funcionamento da placa motora. Deste modo, reduzindo a atividade
muscular tônica ou fásica excessiva, levando a um aumento da motricidade
ativa e passiva, permitindo um alongamento maior dos músculos injetados
(Freund & Medix, 2002).
Dessa forma, a aplicação da toxina resulta na inatividade do músculo por
alguns meses. Os bloqueios nervosos podem diminuir a atividade muscular
ou a dor, dando ao paciente a oportunidade de adquirir novamente os
movimentos (Park, 1995 e Skeil & Barnes, 1994 in: Stokes, 2000).
3.1. Aplicação e efeito:
A aplicação é feita através do uso de agulhas finas na área a ser
corrigida. Deve ser feita por um profissional médico treinado e
experiente, no próprio consultório, pois não há necessidade de
anestesia. O paciente, normalmente, sente apenas a dor da picada da
agulha, o que torna a aplicação acessível a todas as idades (Freund &
Medix, 2002).
Após a aplicação o paciente deve permanecer, no mínimo quatro horas, sem
manipular os locais das aplicações. Deve evitar massagens e,
principalmente, não deitar durante as quatro primeiras horas (Allergan,
2003).
O efeito da toxina botulínica tipo A inicia-se 48 a 72 horas após a aplicação e tem efeito
máximo em 1 a 4 semanas. A duração é em média de seis semanas a seis
meses podendo aumentar com sucessivas aplicações. Porém, é possível que
haja uma adaptação, quando utilizado constantemente, o que requer um bom
entrosamento da equipe multidisciplinar que acompanha o paciente (Allergan,
2003 e Stokes, 2000).
3.2. Indicação:
A indicação da toxina botulínica tipo A em pacientes neurológicos foi destacada, de forma
generalizada, quando estiver presente a espasticidade localizada num
músculo ou grupo muscular irresponsiva à farmacoterapia antiespástica
tradicional ou à fisioterapia convencional. Nesta situação o
enfraquecimento controlado é benéfico, proporcionando a diminuição da
dor e/ou espasmo e aumentando a amplitude de movimento (Allergan, 2003).
Além disso, é indicada em: espasmos distônicos, distonia cervical,
distonia faríngea, distonia oromandibular, cãibra, blefaroespasmo,
espasmo palpebral, bruxismo, cefaléia, torcicolo, gagueira, tiques,
lesões esportivas, síndrome miofacial, tremor etc. (Baiocato et al,
1999). A indicação no campo da estética é mais ampla, mas não é objetivo
desse trabalho.
3.3. Complicações e contra-inidcações:
Normalmente a toxina botulínica tipo A não apresenta complicações, porém, em situações
especiais, pode ocorrer: edema, eritema, dor de cabeça, perda de força,
gripe, alergia e formigamento na área aplicada (Baiocato et al, 1999).
Como contra-indicações, Allergan (2003), assinala: infecções ou
inflamações nos locais da aplicação, alergia a droga, gestantes ou
lactentes, por falta de estudos a respeito
4. A FISIOTERAPIA E A UTILIZAÇÃO DO BOTOX®:
Como mencionado, a espasticidade é umas das situações clínicas que mais
impõe dificuldades ao processo de reabilitação, visto que impede a
mobilização do músculo ou grupo muscular onde está instalada,
consequentemente, afetando o posicionamento, a deambulação, a
alimentação e a performance nas atividades da vida diária (AVD”s), o
que, obviamente, interfere negativamente no restabelecimento do
segmento. Portanto, ela sempre foi um obstáculo a ser vencido pelo
fisioterapeuta e pelo próprio paciente. A toxina botulínica tipo A foi uma das soluções
encontradas pela ciência para auxiliar a terapia do paciente espástico.
E como sua eficiência tem sido comprovada ao longo dos anos e,
principalmente, sem oferecer efeitos colaterais ao paciente, tornou-se
uma arma importante na reabilitação e, como tal, deve ser utilizada, de
maneira adequada para melhorar a qualidade de vida do paciente (Stokes,
2000).
No entanto, para que sua eficácia seja plena, é importante que haja uma
boa interação entre a equipe multidisciplinar (EMD) que acompanha o
paciente. Antes de realizar uma aplicação, o médico deve estar ciente de
quais os músculos serão melhores aproveitados quando relaxados, Isto é,
a aplicação deve ser feita com objetivos pré-estabelecidos em conjunto
com o fisioterapeuta, que conhece as metas a serem atingidas com cada
paciente. Por exemplo, o relaxamento dos músculos adutores do quadril em
um paciente que apresenta MMII em padrão tesoura, com dificuldade para
deambulação, pode gerar benefícios na adução, abdução, flexão e
extensão, como mostra o estudo realizado por Sgrott (2004), em pacientes
com paralisia cerebral quadriplégica. E o fisioterapeuta é o
profissional qualificado para orientar o médico, visto que acompanhava o
paciente antes da aplicação e continuará a acompanhar após a mesma,
portanto, tem conhecimento das limitações e dos objetivos a serem
alcançados.
Desse modo, uma vez aplicado a toxina botulínica tipo A nos grupos musculares adequados e a
musculatura que se encontrava espástica agora assume a postura flácida
(paralisia flácida), será permitida a livre movimentação e alongamento
da mesma e também, a prevenção de deformidades, as quais são muito
freqüentes em pacientes espásticos (Greve et al. 2001) .
4.1. Objetivos da fisioterapia pós –aplicação da toxina:
Os objetivos a serem atingidos, obviamente, podem variar de paciente
para paciente, pois cada caso é um caso. No entanto, de maneira
generalizada, Stokes (2000), afirma que os objetivos são:
* Aumentar a amplitude de movimento;
* Melhorar a função ;
* Promover o controle seletivo;
* Promover o ganho de força, de coordenação e outros componentes do
desempenho motor, indispensáveis ao processo de reabilitação .
CONCLUSÃO
Apesar das dúvidas advindas de a toxina botulínica ser responsável pela
doença conhecida como botulismo, quando administrada em doses altas,
hoje sabe-se a importância dessa droga, principalmente, na reabilitação
de pacientes neurológicos, além de sua ampla divulgação na área
estética.
A toxina botulínica tipo A, quando aplicado corretamente, de acordo com as necessidades
previstas pela equipe multidisciplinar, pode se tornar um grande aliado
do fisioterapeuta, que através dele, atinge situações clínicas antes
inviáveis devido ao grau de espasticidade (especialmente a localizada),
visando relaxamento, evitando as contraturas e deformidades comuns e
promovendo conquista de novas aquisições motoras.
Por não ter contra-indicações explícitas ou efeitos colaterais
inconvenientes, a utilização da toxina botulínica tipo A é, geralmente, agradável ao
paciente, que sente somente a furada da agulha. No entanto, isso pode
gerar o uso indiscriminado. Para que seus efeitos sejam benéficos, o uso
deve ser controlado pelo médico e administrado da forma e no intervalo
de tempo adequado.
O maior fator limitante do uso da toxina botulínica tipo A ainda é o preço das doses. Por
ser elevado, não é acessível a todas as classes sociais. No entanto,
felizmente, já existe instituições públicas que oferecem o serviço,
principalmente para crianças com seqüelas neurológicas, como as comuns
na paralisia cerebral.
BIBLIOGRAFIA
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Sgrott, Daniela Dadam. O Tratamento da paralisia cerebral espástica após
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Stokes, Maria. Neurologia Para Fisioterapeutas. São Paulo: Editorial
Premier, 2000
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